sábado, 25 de julho de 2020

O que fazer quando um parente pede dinheiro emprestado na pandemia

Como consultora financeira, Elyse Foster ajuda os clientes a lidar com questões pessoais complicadas em torno da gestão de seu dinheiro. Mas o coronavírus trouxe uma camada extra de complexidade – especialmente no que diz respeito à família.

Um cliente emprestou US$ 10 mil a um irmão recém-desempregado. Mas essa boa intenção deu errado rapidamente quando o cliente soube mais tarde que seu filho também precisava de dinheiro. “O filho se ressentiu do fato de o pai não ter percebido sua situação”, relatou Foster, executiva-chefe da Harbor Wealth Management em Boulder, no Colorado.

Outros clientes empregados que têm parentes que precisaram de súbita ajuda financeira também enfrentam dilemas sobre se e como emprestar dinheiro. “Tivemos pais que talvez estivessem pensando em fazer empréstimos para um dos filhos, e o outro disse: ‘Então ele está sendo recompensado por gastar muito, ou por não trabalhar, ou por tomar decisões ruins?’ Temos visto famílias quase dilaceradas desde o início da pandemia”, disse Foster.

Como o coronavírus continua a afetar os meios de subsistência, os consultores podem esperar que os dramas financeiros familiares continuem surgindo, de acordo com uma nova pesquisa da Commonwealth, uma organização sem fins lucrativos que pesquisa oportunidades financeiras e segurança para pessoas financeiramente vulneráveis.

A pesquisa, realizada no fim de abril, coletou respostas de 944 pessoas em todos os Estados Unidos com renda familiar anual inferior a US$ 75 mil. Entre eles, 16 por cento dos que foram demitidos permanentemente relataram receber mais apoio financeiro da família ou de amigos agora do que antes de primeiro de fevereiro.

As regras sobre quanto emprestar e quando esperar o pagamento de volta estão sendo escritas em tempo real, como grande parte da vida durante a pandemia. “Vinte por cento das pessoas ligam e dizem: ‘Posso me dar ao luxo de fazer isso?’ Mas os outros 80 por cento são muito determinados e já se comprometeram a fazer um empréstimo. Portanto, nós nos vemos na posição de perguntar: ‘Onde você está no processo, e como o empréstimo vai ser pago?’”, informou Foster.

Talvez não seja infundado o temor de que os parentes sejam mais generosos do que podem se dar ao luxo de ser. “Depende da proximidade entre os membros da família, mas alguns nem pensam duas vezes e emprestam mais do que deveriam”, disse William Carrington, conselheiro em Fort Lauderdale, na Flórida, que trabalha com funcionários do Serviço Estrangeiro dos EUA.

Por exemplo, quando uma de suas clientes de renda moderada se viu na situação de emprestar centenas de dólares a um irmão de 40 anos que tinha sido demitido por causa do vírus, a resposta foi um sim instantâneo. “Havia uma expectativa real por parte do irmão, algo como: ‘Você tem um emprego estável, por isso você meio que me deve’”, contou Carrington. A cliente, também na casa dos 40 anos, estava economizando para mandar os filhos para a faculdade, mas acabou deixando essa meta de lado.

Carrington não tentou dissuadi-la. “Como planejador financeiro certificado, não posso convencê-la, mas só explicar as consequências.” Mas, como Foster, ele teria preferido que sua cliente deixasse claro a seu parente as consequências de seu empréstimo em detalhes específicos, para evitar mal-entendidos.

“Os parentes devem deixar claro quanto deram e qual o efeito do empréstimo sobre eles. Digamos que tenho de seis a nove meses de dinheiro para uma reserva de emergência. Se eu desse três meses a um parente, eu poderia dizer: ‘Esse valor é tudo que poupei, e é por isso que preciso dele de volta. Eu poderia ficar em apuros sem essa quantia.’ Dessa forma, o destinatário entende que esse dinheiro não foi obtido com facilidade”, disse Foster.

Carrington recomenda um limite nos valores em dólares. “Se você receber um telefonema dizendo que fulano não vai conseguir pagar o aluguel este mês, e você tem US$ 35 mil em fundos de emergência e o aluguel é de US$ 2 mil, você poderia impor um limite dizendo: ‘Não posso ficar com menos de US$ 25 mil em fundos de emergência, por isso posso me dar ao luxo de ajudá-lo mais quatro meses se você precisar, mas é só isso que posso fazer.’ Se você tem esse tipo de conversa, não está na posição de receber um telefonema um dia e precisar dizer abruptamente: ‘Não posso ajudar mais.’”

Um plano de pagamento também deve ser definido antes que o dinheiro saia de uma conta bancária, recomendam os profissionais financeiros. Mas, mesmo assim, quem emprestou pode se preparar para calotes.

“Nesta situação, com a Covid especificamente, refletir sobre se você ficaria bem se nunca mais visse esse dinheiro é provavelmente uma boa ideia. As pessoas tendem a ser otimistas demais. Elas imaginam um bom cenário e dizem: ‘Ótimo, eles voltam ao trabalho em dois meses, e vão poder me pagar de volta US$ 50 por mês.’ Elas se esquecem de que gastos inesperados e contratempos podem acontecer”, aconselhou Mariel Beasley, cofundadora do Common Cents Lab, um laboratório de pesquisa de comportamento financeiro da Universidade Duke.

Muitos também se esquecem de que podem surgir ressentimentos. Carrington viu clientes cujos parentes invejam suas economias para uma viagem pós-vírus. “Eles dizem: ‘Por que você não cancela isso?’ Quando isso acontecer, você deve acalmá-los e dizer: ‘Não vou deixar você morrer de fome.’”

Segundo Foster, o autoescrutínio pode ajudar na preservação de relacionamentos que passam por dificuldades em um terreno financeiro acidentado. “Antes de fazer o empréstimo, pense em qual é sua intenção. É um presente ou é um empréstimo?” Se for um empréstimo, ela aconselha escrever uma nota formal sobre os termos e arquivá-la com terceiros. “E então esqueça. Não fale sobre isso na ceia de Natal. Não fique tocando no assunto. Se você acha que não consegue se conter, sugerimos que não faça o empréstimo.”

Uma escala móvel de expectativa pode ser a chave para manter a paz, acrescentou. Quando recentemente um cliente lhe pediu que transferisse US$ 10 mil para seus enteados, que haviam concordado com um empréstimo com juros, ele disse a Foster que não esperava que os enteados cumprissem o acordo. “Ele disse que achava que nunca receberia o dinheiro de volta. E aposto que está certo. Muitas vezes, é isso que acontece com os empréstimos familiares”, observou ela.

Ainda assim, Beasley acha que as pessoas com problemas financeiros por causa do vírus devem pedir um empréstimo à família, se puderem. “Se a pessoa que empresta vai ficar bem se esse dinheiro não for pago de volta, eu lhe digo que prossiga; essa é uma opção de empréstimo melhor do que passar por uma instituição financeira formal, que não vai fornecer tanta flexibilidade”, disse.

À medida que a recessão da Covid se aprofunda e os americanos recorrem a quaisquer recursos para pagar contas, eles podem descobrir que a flexibilidade dos parentes vem com um quê de compaixão.

“A diferença desta crise financeira é sua causa: um vírus que foge ao controle das pessoas. Parece estar fazendo-as compreender a ideia de que há um papel a desempenhar nos desafios financeiros individuais, incluindo governo, empregadores e instituições financeiras”, analisou Melissa Gopnik, vice-presidente sênior da Commonwealth, a organização que demonstrou o aumento do endividamento entre os trabalhadores demitidos.

Apesar do que Carrington previu – anos de ressentimento dentro das famílias, especialmente se um parente parece ter mais dinheiro do que o resto –, Gopnik vê um lado positivo. “Acho que essa crise nos levou a um momento de empatia coletiva”, declarou ela.

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